terça-feira, 15 de novembro de 2011

Por que o dia 14 é assim?

Tem pessoas que constroem ou construíram capacidades de se abstrairem das coisas que lhes afligem e que se mantém razoavelmente equilibradas diante das recidivas de pensamentos que poderiam lhes fazer sofrer.

Essas pessoas, geralmente, são mais vocacionadas ao sucesso, a terem vida mais longa, a alcançarem a felicidade.

Explico melhor dando como exemplo os resultados da nossa seleção feminina de volei, que perdeu este final de semana para o Japão. Os comentaristas apontavam como principal causa o aspecto psicológico e o fato de que as jogadoras carregavam demais no peso que estavam dando às derrotas, aos erros frequentes, à falta de "encaixar" do time, enfim, ao que já havia passado. Elas não conseguiam deixar de lembrar daquilo que as levou aos sofrimentos anteriores e por isso não conseguiam ter a condição para avançar para um momento melhor.

Isso é muito fácil ver, especialmente, nos esportes tanto nos coletivos quanto nos individuais, como no tênis. No tênis isso é mais fácil de enxergar ainda. Quantas vezes não vi o Roger Federer, o maior jogador de todos os tempos, de repente, ser envolvido por uma paralise e perder um jogo quase ganho. Talvez, naquele momento, ele tenha lembrado algo que o fez sofrer, desconcentrar e perder o foco, e daí à derrota é uma ponte sem volta.

Se isso acontece com esportistas, "máquinas" treinadas para vencer e superar dificuldades por que não aconteceria com "seres normais" que apenas vivem a vida? Ora, acontece e muito, mas também há os que por mecanismos internos são mais capazes, talvez geneticamente, de superar os velhos "downs".

Talvez, há poucos anos me sentisse assim. Hoje, não sou um desses. No passado, não vou dizer que algumas vezes não vinha uma resposta: "estou meio down, meio pra baixo, não vou sair, não!". Agora, além dos momentos de baixa estima pontuais tem aqueles regulares, com dia marcado.

É assim, todo mês, quando se aproxima o dia quatorze. É como se esse dia carregasse uma nuvem de sofrimento, de lembranças sofridas, de dor. E essa nuvem fizesse chover em cima de mim. É como se a data, demarcadora de uma grande tristeza, se revelasse como um raio espetacular e o mais forte dos trovões e se mantivesse mais consistente durante essas 24 horas.

De forma diferente que as meninas do volei do Brasil ou o suíço Roger Federar reagem aos seus "downs", é necessário também encontrar um caminho para superar o "estigma 14". E isso, aos poucos, tem acontecido.

Parece que a primeira coisa é encarar a situação de frente, respirar fundo e ter muita paciência. Parece que é necessário não se fixar tanto os detalhes que nos fazem sofrer, preparar-se para as emoções que virão, e já sabendo como elas são, vivenciá-las.

Obviamente, que não se quer com isso ter sucesso ou vida longa, mas encontrar um pouco de paz e quiçá, de novo, um dia, felicidade.

Alci de Jesus

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Tem dias que são pesados...(em construção...)

Tem dias que são pesados
Aqueles dias longos, que demoram a passar
Em que há dor latente e, pontualmente, incisiva
Dias em que o coração dá pontadas
Em que o cérebro comanda vertiginosamente o pensar
E que, sem controle, repete sempre as mesmas lembranças que vão e vem
E que remetem a dor, tristeza, e um estado interno de muito pesar.
Tem dias que teimam em não virar passado
Aqueles dias frios, que talvez existam pra nos desafiar
Em que o controle da mente é força decisiva
Pra que se possa dar uma virada
Mas a dor é como uma boa amada que insiste em sempre voltar
E que, por descontrole, vira, remexe, desatina, comanda a criança que só diz amém
E que perdida da mãe, não tem atitude, a não ser chorar.
Tem dias que são como um aviso
Que parecem algo perdido, que não se deseja encontrar
Mas que lá no fundo carregam uma mensagem imperativa
Qual aquela que vem numa boa cantada
Que faz sorrir a amada, ao no seu ouvido dizer amar
Mas que como qualquer coisa na vida, sempre tem o contradito: o mal e o bem
E implícito é sua reprodução: da mesma forma que dá também pode tirar.
Tem dias que são muito pesados...
Tem dias que teimam em não virar passado...
Tem que dias que são como um aviso...
Ô quatorze........

Alci de Jesus (14 de qualquer mês...)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Filosofar! (I)

Crônica da Semana: 14 a 20.08.2011

Será que dá para discutir filosofia num shopping?

Aproveitando um fim de semana especial, em que na segunda-feira um irmão estaria defendendo tese de doutorado em Medicina, foi possível revisitar a capital brasileira, Brasília, sob a ótica de uma das filhas, a qual não conhecia ainda a cidade.

O sábado foi cheio, desde logo de manh
ã
zinha, na chegada ao aeroporto até estacionar para o lanche, antes do boliche, às sete da noite, num shopping próximo a uma das cidades satélites da capital.

Primeiro um belo café da manhã na casa do irmão doutor, com direito a pão de queijo feito pela D. Neném, o que já pagou a viagem. Depois, ao lado também dos pais – que vieram igualmente para assistir à defesa de tese -, um belo passeio pelo Lago Sul, visita a ermida Dom Bosco, idas e vindas pela ponte JK, Palácio da Alvorada e almoço num dos grandes restaurantes com
especialidade em
comida regional.

À tarde, agora somente pai e filha, sob um sol escaldante, várias paradas no eixo monumental: Congresso Nacional, Catedral, Torre de TV (ainda bem que a filha não quis subir à torre), fonte da Torre e só - por desejo da filha, é claro.

Depois, de volta ao lago, uma breve visita ao Pier 21 e ao Pontão, e já à tardinha não teve jeito de não ir bater ponto no Par
k
shopping (no Guará) e para satisfação da filha comer um MacDonald.

Após aboletar-se numa mesa, aguardando a filha que estava na fila do sanduiche, o dia estafante não diminuiu a percepção do olhar e ouvido atentos. Na mesa ao lado, filho (quase 20 anos) e mãe (pouco menos de 40) conversam. O filho fala de filosofia.

Não se ouve os nomes de Sócrates, Platão, Aristóteles ou outros e muito menos alguma coisa sobre a leitura de “O mundo de Sofia” ou sobre as perguntas e expectativas de respostas que o ser humano sente também tanta necessidade além de se alimentar, tais como: Quem somos? De onde viemos? Por que vivemos? Mas, no entanto, é perceptível compreender que a conversa permeia esse universo: a terra é um planeta insignificante no universo; se formos considerar outras galáxias, nós somos um grãozinho de nada; por que então tanta guerra, tanta necessidade de ser o maior?

Na chegada da filha à mesa, um comentário: eles estão falando de filosofia! O “dar de ombros” da filha é como um balde de água fria naquele dia longo, mas desperta para a realidade do que talvez sempre aconteça quando se fala em filosofia: “e daí?”. Assim, nesse contexto, vem à mente aquela pergunta colocada no início da crônica.

Certamente, na média, a resposta à pergunta seria: “ora, filosofia barata se discute em qualquer lugar, até mesmo num shopping”, como algum amigo falou há muito tempo atrás, quando o assunto perme
ou
o bate-papo semanal.
De fato, por que um local poderia ser empecilho para se conversar sobre um tema tão importante para a humanidade?

A imagem do filho conversando com a mãe sobre questões filosóficas, no burburinho de uma sala de alimentação de um shopping de uma cidade satélite de Brasília, ao sabor de um macdonald, possivelmente usando uma bermuda, camisa e tênis com a logo da Nike, com um telefone “xing ling” – importado – da China ainda provoca reflexões.

Alguma coisa parece não estar combinando direito!

Alci de Jesus

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Relacionamentos!

Crônica da Semana: 07 a 13.08.2011

Tem umas semanas no ano em que você tem a oportunidade de recepcionar uma amiga ou um amigo em sua cidade. Mesmo que essa amiga ou esse amigo fique na casa de outra amiga, você não pode deixar escapar a oportunidade desses reencontros, de reviver os relacionamentos.
Afinal de contas, “amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito”, já dizia o poeta mineiro. A frase, na música Canção da América, com Milton Nascimento, diz várias coisas, entre elas que amigo tem algo especial porque além de ter o registro na mente, também tem gravado o sentimento no coração.
E parece mesmo, observando a realidade do que acontece no dia-a-dia e interpretando Nuvem Cigana - música que faz parte do quarentão Clube da Esquina -, que amigo vive em qualquer parte do nosso coração, ali meio latente, só esperando pra qual cigarra pôr-se a cantar. Basta você querer!
E se você quiser, mesmo que tardar, quando você tiver a oportunidade de falar com um amigo ao telefone, se corresponder por uma rede social ou reencontrar fisicamente, verá como é fácil, na maioria das vezes, perceber uma  gostosa reciprocidade.
Muitas vezes, ao reencontrar um amigo distante ou ausente, é como se o seu corpo reconhecesse um elo de sua vida, o qual liberta endorfina e serotonina e você fica mais calmo e com uma sensação de bem-estar.
E de fato, um amigo pode lhe proporcionar recuperar imagens fixas, filmes curtas e longos que lhe dão grande alegria. Mas também o reencontro pode resgatar desgraçadas tristezas e terríveis pesadelos que lhe parecem, naquele momento do reencontro, vivos novamente, lá no passado, mas querendo fundar sombras no presente e cristalizar nostalgias.
Mas nem por isso você não quer ter essa possibilidade do reencontro, às vezes aguardado com ansiedade, especialmente se é um amigo que você não se relaciona há algum tempo e que tem em seu passado alguma representatividade.
Por isso a importância de quando você quiser e se quiser, relembrar a sua vida e  escrever em algum lugar o nome dos amigos que podem ser reencontrados, que podem ser procurados, porque são elos que você deseja reestruturar.
Certamente tem os amigos da infância quando do aprendizado das primeiras letras no colégio. Também têm os amigos daquela rua que marcou a adolescência, e com os quais jogava bola ou brincava de boneca. Outros amigos dos esportes e das viagens escolares. Vários amigos da faculdade, das noites de estudo, das festas ou das lides estudantis. Têm os amigos da vida profissional e aqueles que vieram junto com todos esses e que nem por isso são menos amigos. Além dos que se forjaram por conta de relacionamentos amorosos ou nos seus entornos.
Tem os amigos pra toda hora, os amigos das lutas e vitórias, assim como das derrotas. Amigos que você vê toda semana ou diariamente. Amigos que te expõem a imagem da luta à frente, que te compartilham a busca da liberdade, da democracia e ética já, para todos igualitariamente.
Mas você pode crer, que não se está deixando de enxergar esse mundo tão violento quando se dá espaços também para com o amigo ter algum relacionamento, na sua via mais próxima e sentimental. Muito menos não se queira combater a vil e deprimente exploração, quando amigos e amigas são cativadas ao coração.
Apesar de que, como em qualquer outro relacionamento deva-se aproveitar o momento, quando se é, de fato, amigo, sempre fica um pouquinho mais, um gostinho a mais. É o sentimento tal como na expressão “hay que endurecerse, pero sin peder la ternura jamas”.
É como se as agendas com amigos fosse com uma outra emoção, talvez, quem sabe seja pra alimentar aquela semente latente, que como o poeta dizia mora lá no coração.  
Alci de Jesus

domingo, 7 de agosto de 2011

Chispazo!

Crônica da Semana: 31.07 a 06.08.2011
Ninguém se impressionaria? Ao passear pela praia, em pleno sol de nove horas, olhar e ver o homem, de um casal refestelado na areia, retirar da mochila duas taças dessas para Martini e, oferecendo uma delas à parceira, iniciar os preparativos de bebericarem.
O certo é que, aparentemente, ninguém notou ou se notou, quem sabe, quem se importa?
Para quem observou e, sendo ou não da classe média, pôde fazer-se uma pergunta: um daikiri com coca? Isto porque ao lado do casal, em primeiro plano “à mesa”, dois litros do refrigerante, idolatria mundial (não só dos americanos).
Mas daikiri é feito com rum e açúcar. E de certa forma, pela delicadeza da taça, pelo umedecer do suco de limão na borda e a necessária fixação do açúcar à mesma, não parece ser uma bebida apropriada para a areia de praia, mesmo que ideal para os amantes.
O homem, com um bigodezinho à La Clark Gable e um olhar 43, fazia movimentos suaves, como quem soubesse executar os maneirismos que a elaboração de um coquetel exige. Talvez pela afinidade com o trato das taças, pois as pegava com maestria, fosse barman.  
Parecia também que entendia de romantismo. Talvez não compreendesse o movimento artístico, que se opôs ao racionalismo; muito menos que o ser romântico fosse baseado em valores emocionais subjetivos. O certo é que como um romântico, elevava os sentimentos acima do pensamento, da razão; naquele momento era pura emoção, exalava sensibilidade.
E como, por certo, não se importaria de mandar flores à amada, por que se importaria de oferecer um brinde amoroso, em plena beira-mar, no domingo, num dos locais mais procurados pelo povão? Nada não se encaixaria ao clima proporcionado por uma bela taça, daquelas de Martini, com alguma coisa e coca-cola, saboreada ao lado da amada.
Da mesma forma que a frase “um escritor é um exímio leitor”, no ensaio de Inocêncio de Melo ao analisar o livro de Ângela Calou (Eu tenho Medo de Gorki e outros Contos), indica uma premissa fundamental ao escritor, ao romântico é exigido um exímio exercício de explorar os estados de espírito de quem lhe está mais próximo, inclusive, o seu próprio.
Pela expressão de admiração da amada na praia, parece que ela compreendeu que muitas vezes mais vale o exercício da ação e o sentimento que a mesma lhe passa do que qualquer outra coisa. Parece não lhe importar se não é um Martini, se não é um Chispazo; mesmo que seja uma simples “porradinha”, já estaria valendo à pena, pois sente que o parceiro lhe deu valor, não só por lhe oferecer o coquetel em taças requintadas.
Talvez neste aspecto, o romântico re-signifique o que é belo. Talvez o romântico saiba como explorar a beleza das pequenas coisas, que a grande maioria não dá o seu devido valor. Talvez o romântico seja capaz de construir o clima da pura emoção, que às vezes é tão necessário e nos está tão à mão, e para o qual não é preciso muito para se conseguir obtê-lo.
Um belo coquetel em taças de Martini, com cachaça e coca-cola, na beira-mar da Iracema dos olhos de mel, por que não?
Poético? Romântico? Pois não! Emoção se faz com emoção!
Alci de Jesus

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Oh, pedaço de mim!

Crônica da Semana: 24 a 30.07.2011

A música “Pedaço de mim”, de Chico Buarque, tocada ao final de uma reunião dos aniversariantes do mês de maio, de uma cooperativa de médicos, “bateu” profundamente por uma de suas frases – “... a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu...” – e também pela temática da saudade daquele pedaço da gente que foi afastado, exilado, amputado ou arrancado “de mim”.
Mas o que é saudade? Nos dicionários, saudade é recordação suave e melancólica de pessoa ausente, de local ou coisa distante, que se deseja voltar a ver ou possuir. Melancolia é tristeza vaga, indefinida, com inibição das funções motoras e psicomotoras. Isto é, a gente se sente meio parado. E tristeza? Tristeza é a falta de alegria ou contentamento. Ora, então, assim, quem está com saudade não está alegre.
Essa compreensão do sentimento de saudade é costumeiramente exaltada pelos poetas com uma carga talvez freudiana de irreparabilidade, especialmente, quando se trata de uma perda de alguém querido, pior ainda quando se trata de uma filha: “ferida narcísica irreparável”.
Mas se é assim o que dizer de algumas expressões que invocam ser a saudade a água que mata a sede? Ou o que dizer do ditado “recordar é viver”?
Se nos remetemos à gênese do termo saudade, reconhecendo sua origem portuguesa, o mesmo demonstra a fidalguia de compreender a ida dos nobres filhos portugueses a se enveredar por aventuras nos mares e daí se o descreva como “um sofrer contente, feliz por saber que a dor da ausência existe, pois se ama e se é amado”.
Mas, em geral, a saudade é uma mistura de sentimentos, os quais envolvem a perda, a impossibilidade do reencontro imediato e um amor ou carinho profundos, que se traduzem em uma dor ou sensações, que em regra estão fora do que se poderia considerar normal, por isso relaciona-se saudade com tristeza.
De fato, a memória, aquela que nos dá a capacidade de realizar e de relacionar as coisas entre si, construindo associações, e que faz a nossa sobrevivência possível, é um mundo de fantasias que não se estanca. Porém, sem querer relacionar saudade com solidão e modificando a palavra de Rubem Alves, é possível dizer que a tristeza não vem da saudade, mas sim das fantasias que surgem com a saudade.
Conforme Aristóteles “o ato de conhecer começa pelos sentidos” e para ele “quem encontra prazer na solidão, ou é fera selvagem ou é Deus”. Por analogia quem sente saudade exercita o conhecimento de si e não tem solidão, porque mesmo com alguma tristeza, dor e talvez lamentação, pode encontrar prazer no sentimento porque, enfim, é uma maneira de estar próximo de um amor incondicional, permanentemente revivido pela memória.  
Reforça esse pensamento a visão do sentimento de Freud pela perda de sua filha Sophie, pois para ele a dor segue o seu curso natural, o rumo que deveria ser. Mas a saudade, interpretando o mestre, é “a única maneira que temos de perpetuar um amor que não queremos abandonar”.
Na verdade, parece ser razoável e lógico assimilar, que mesmo que queiramos desconstruir o olhar, os sinais, o vulto, o que há do “pedaço de mim” em nós, porque a saudade “dói latejada”, ele sempre estará conosco e o melhor é ter a coragem de vivenciá-lo, re-significando o que dele lhe faz mal, mesmo que seja ao arrumar o quarto da filha que já morreu.

Alci de Jesus

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Arte que encanta ou conhecimento desencantado?

Semana: 17 a 23.07.2011


A postagem “A metafísica como arte do conceito”, do amigo Bulcão, no blog “A arte do conceito”, chama atenção por várias questões. Uma delas, mais por uma percepção descontextualizada e fruto de desconhecimento filosófico do que qualquer outra coisa é sobre a análise do pensamento artístico de Nietsche quanto à preferência, artisticamente falando, da “arte que encanta” frente ao “conhecimento desencantado”.

Independentemente do que um ensaio pode querer analisar (criticar) em profundidade uma questão, o simples fato do mesmo ter provocado uma que seja revelação, ter despertado alguma reflexão, já basta. E isso independentemente de gostar ou não do pensamento de Nietsche ou de quem/questão esteja sendo retratado/discutida.

É isso mesmo, se alguma frase no texto conseguiu sensibilizar ainda mais a atenção do leitor e o fez mais cativo da leitura, levando-o a procurar outros conceitos, via outras postagens ou o próprio dicionário, já cumpriu a sua missão, e em certo sentido já é uma arte.

Poder-se-ia dizer que ao produzir alguma mudança, nem que seja pra sair da cadeira e dar uma olhada no céu e observar as várias faces que vão se transformando nas nuvens já é alguma coisa.

Ainda mais no mundo atual, globalizado, cheio de mídias, atrativos vários, multiplicidade de opções, pensamentos cada vez mais multifuncionais, superficiais etc.

Mas também repleto de tantos e tão diversos espaços que qualquer pessoa, ou melhor, toda e qualquer pessoa pode encontrar também o seu.

Por isso que não importa se para centenas aquilo que se expõe pode ser um “conhecimento desencantado”, se na interpretação de talvez milhares seja “arte que encanta”. E assim, vice-versa.

Ora, não é mister de quem em algum momento é apenas observador e que disso não quer passar, se expor ou exigir-se com vontades metafísicas; querer conhecer as causas primárias e os princípios elementares ou mesmo se ater, lógica e racionalmente aos conceitos.

Alguns há que se declaram, totalmente, ecléticos e, decisivamente, metamórficos.

No mais talvez o que lhe baste seja perseguir o provérbio, plantando uma árvore, procriando e escrevendo um livro.

Se isso já é muito ou pouco, se nos remete a procurar olhar as coisas de modo diferente, a quem cabe responder senão a cada um de nós mesmos, na medida de nossa inquietação ou insatisfação?

Sentido da vida? Arte que encanta ou conhecimento desencantado?

domingo, 10 de julho de 2011

Dê um abraço amigo em seu pai (1)

Semana: 10 a 16.07.2011

Vendo aqueles senhores idosos no supermercado, conversando alegremente, com seus grandes bigodes brancos, os cabelos já um pouco ralos não dá pra não pensar nos pais.
Lembrar dos pais pode ser bom ou não, depende do que cada um tem para lembrar; mas em sua maioria o pai sempre é uma figura importante na família ou na relação, por isso dá prazer recordar.

O pai como aquela pessoa que sempre esteve próxima e fez parte do processo de crescimento dos filhos.

E estar próximo não quer dizer exatamente do jeito que a gente queria enquanto filhos, mas como alguém que, do seu jeito, se fez presente e referência em grande parte do tempo; de alguém que você sabia estava ali, no caso de alguma necessidade.

Como alguém que tentou, no seu máximo, de acordo com as suas compreensões fazer o papel de pai e que nutre/nutriu um sentimento de amor por tê-lo como filho.

Quando o filho cresce e mais ainda quando já é pai, percebe uma mudança na visão que tinha sobre o avô de sua filha; parece que o pai é alguém que, realmente, tem mais experiência e onde sempre é possível encontrar abrigo.

A gente sabe que existem relações conturbadas e desconexas entre pais e filhos, mas quem tem/teve um pai que, minimamente, tentou construir uma relação sincera com seu filho colheu amizade, respeito.

Talvez, por isso damos tanto valor quando vemos um filho oferecer um beijo ao pai na porta da escola ou quando, naturalmente, lhe pede uma benção ou, então, derrama uma lágrima ao se despedir, pois mora distante.

Esse sentimento que é percebido por tantos filhos e que toca tão fundo é fruto das lembranças, dos momentos vividos, experimentados; daquilo que foi bom ou não compreendido, mas que hoje, quando você já adulto, tem um grande significado, porque, às vezes, não é mais possível ou, então, foi desconstruído.

Até mesmo as lembranças das coisas que o pai fazia e que os filhos não gostavam são tratadas como brincadeira nas reuniões da família: o assobio quando vinha chegando pra dizer que todo mundo devia estar dentro de casa; o olhar carrancudo e a conversa dura quando alguém fazia alguma besteirinha; as lapadas de cinto pra quem fizesse uma coisa errada.

Tudo é gostoso recordar e melhor ainda quando o pai, ouvindo as histórias, olhando as suas crias, meio besta, água nos olhos, com sorriso de Mona Lisa, parece ver um filme de tudo que viveu e lhe proporcionou alegrias ou tristezas.

A gente sabe que têm “pais” que não valem um cibazol, e certamente essa crônica não é para eles.

Mas, quando há sentimento por um Pai, parte de uma crônica famosa mexe muito e faz a gente pensar: “Dedique-se a conhecer seus pais. É impossível prever quando eles terão ido embora, de vez”.

O provérbio “como tratares teus pais, assim serás tratado por teus filhos” também parece ser uma boa referência.

Por isso, independentemente se ele está ou não vivo (lembre e em mente faça da mesma forma), abra um sorriso, e dê um grande abraço amigo em seu pai

domingo, 3 de julho de 2011

Você sabe a força que tem a música! (2)

Semana: 03 a 09.07.2011

Você sabe a força que tem a música! (2)

Cada um tem que construir sua capacidade de fazer parte dessa grande composição em que vivemos e que a todo o momento está se (re) construindo. Com essa frase foi terminada a primeira crônica sobre a força que tem a música, lançada no blog em 22 de maio passado.

Muitas pessoas, por diversas formas, especialmente, e-mails, comungaram da opinião quanto à capacidade que tem a música de provocar emoções no campo individual. E eles têm razão. Não tem ninguém que não fique tocado pela música, por algum tipo de música, em alguma situação específica ou não.

Mas ficou uma questão. Será a música capaz de provocar emoções no campo coletivo, sendo fator de mobilização e ação diante de realidades variadas? Essa reflexão surgiu novamente ao ouvir
Tropicália cantada pelo coral da UFC, regido pelo amigo, professor universitário, maestro, Elvis Matos.

Ora, que a música é capaz de envolver multidões ninguém tem dúvida. É fácil verificar isso, hoje e no passado, aqui e alhures, seja em ambientes requintados ou junto ao “povão”. Não é difícil lembrar-se de artistas e grupos famosos, que até hoje provocam histerias nos fãs, como Beatles e Roberto Carlos, ou, então, de eventos de massas, como as micaretas ou os shows de forró. Esses artistas e atrações são capazes de encher estádios de futebol, celebrando suas músicas com milhares de pessoas.

Porém, apesar de parecer que a capacidade da música mobilizar massas como instrumento de transformação é uma coisa pouco estudada, os “estrategistas” de plantão estão atentos a isso. Todos sabem que a música é suporte à ação, seja religiosa ou política. Não é à toa o crescimento vertiginoso da música gospel. Não foi sem sentido para a ditadura militar exercer a censura. Da mesma forma a música, a arte, foram utilizadas como fator de resistência ao autoritarismo, por romper barreiras e lançar novas visões para o mundo, especialmente, junto aos jovens.

De fato, todos sabem, concordando com o que diz Marivone Piana, nos anais do Seminário Nacional – Movimentos Sociais, Participação e Democracia, em 2007, no ensaio “Música e Movimentos Sociais”, da “capacidade de formação e transformação cultural da música, quando apropriada pelos movimentos sociais devido a sua dimensão política e mobilizatória”.

No entanto, isso parece ter pouca representatividade hoje em dia. É como se o fator de mobilização coletiva da música estivesse entranhado na rotina do nosso dia-a-dia; é como se estivesse pasteurizado, homogeneizado na dinâmica sufocante da modernidade pós alguma coisa revolucionária; é como se fosse obra do passado, perdida num tempo que vai ficando mais distante.

Alguns preferem pensar que essa percepção faz parte da obra arquitetada e ardilosamente operacionalizada por aqueles que não querem transformar. A manutenção, renovada e minuciosamente programada, dessa música, dessa mídia aborrecida e mercadológica, é o resultado também da capacidade de mobilização coletiva da música, só que para a acomodação, não transgressão.

Interessa a quem que permaneça assim quando ainda temos tantas coisas a conquistar?

A música certamente vai continuar a nos emocionar pelo simples fato de com ela termos uma relação única, individual, mas não é excludente deixarmos que ela nos dê suporte nas nossas revoluções. Esse é um espaço de disputa real na sociedade atual, sendo necessário destravarmos essa idéia de extemporaneidade da música de protesto. O MST consegue isso e as canções embalam suas marchas.

Por que não nos embalarmos nas canções de luta pelo amor, liberdade, natureza e contra o poder como em tempos passados? Por que não nos inspirarmos no “Anel do Nibelungo”, de Wagner?

domingo, 26 de junho de 2011

O Teatro da Vida, por Martins de Jesus, 85 anos

Semana: 26 a 30.06 e 01.07.2011

Por Martins de Jesus, 85 anos, avô da Carol

O grande problema do mundo é que os terrestres não sabem viver. Não é só circular pelo mundo. O que é importante é a convivência com os irmãos.

A arte de viver é a principal questão que traz para o mundo as desgraças das guerras e das paixões. Se soubéssemos todos viver, o Amor estaria em primeiro lugar. E todos viveriam melhor sabendo aceitar as coisas como elas aparecem no dia a dia de cada um de nós.

Se pudéssemos pensar no pensador Paulo, nenhum de nós teríamos doenças físicas e mentais, porque todos nós cuidaríamos com muito amor, com muita responsabilidade, do nosso veículo do espírito (o corpo).

É preciso cuidar tanto do corpo quanto do espírito. Por exemplo, basta você acordar e dar um bom dia a um irmão e já é um caminho para você estar feliz neste dia.

Os terráqueos não conhecem a importância da riqueza que a natureza nos dá. A palavra riqueza não é só para criar, o maior problema da riqueza é fazê-la circular, distribuindo-a melhor . Se assim fosse, todos nós teríamos uma vida tranquila, sem tanto contraste entre ricos e pobres.

Assim, talvez, no teatro da vida terrena não houvesse espaço para dramas ou tragédias

terça-feira, 21 de junho de 2011

Vendo o tempo passar! (1)

Crônica da Semana: 19 a 25.06.2011

De repente, uma foto captura a gente. Muitas vezes, a gente passa por isso: deixar-se capturar por uma foto. Foto é arte, capaz de tocar profundo na alma. A imagem parece que tem uma magia, por isso aquele momento, estanque, registrado, pode fazer brotar em nós tantas reflexões.
No último dia 11, naquele jornal de sábado,
aquela foto (abra o link). Uma senhora, sentada de frente ao portão da casa, olhando para o tempo, e ao fundo, provavelmente uma estrada de asfalto e outras casinhas. Uma imagem como muitas por nós quase despercebidas: vilas, distritos, parecendo quase fantasmas, que quando se faz uma viagem passam pela janela do carro.


Ficar um tempo observando a foto-imagem é um exercício que se pode praticar e trazer mais revelações do que aquela que a gente sente de pronto. Porque sempre tem aquela sensação primeira. Aquela que você nem pensa e já chegou. Aquela que faz com que você goste ou não goste.

Mas, na maioria das vezes, é possível, numa segunda observação, verificar mais aspectos da foto; na realidade, encontrar novas visões sobre aquilo que ficou estampado, como por encanto na imagem fotografada. Daquilo que permeia o pensamento e a realidade que foi encantadoramente presa na imagem para sempre.

A simetria da mulher com o muro, com o portão, com as casinhas do outro lado da estrada. O relaxamento da senhora de meia idade, possivelmente, pela posição dos cotovelos, rezando. O vestido de linho, talvez, um dos melhores que tenha, daqueles para o dia de festa. O banho tomado, à tardinha, quando o sol já não tem tanta força e a rainha da noite se aproxima. Horário da reza, do terço alinhado nas mãos. Mesmo sem ver o rosto, se vê a dor, a tristeza, o luto.

Uma simples foto, mas com tanto significado, como bem expressa o texto sobre o filme
“Mãe e Filha”, (abra o link) de Petrus Cariry. A senhora da foto, agora também daqueles que a vêem e a reconhecem, não tem pressa, parou para ouvir o silêncio, e em meio às ruínas se “alimenta” de lembranças e esperança.

Quantos de nós não ficamos também, assim como àquela senhora, vendo o tempo passar? Quantos de nós não passamos por alguma experiência de solidão, luto e perda? Quantos de nós não poderíamos ver retratados numa foto, num filme a nossa alma, desejos, sombras, pulsões de vida e morte, como no filme do Petrus?

É legal saber que ainda se faz cinema assim,
cinema do encantamento, (abra o link) que arrebata prêmios, como foi o caso de Mãe e Filha, no 21º Cine Ceará.

É, de fato, um alento! Talvez desperte na gente, um olhar diferente, toda vez que passarmos por uma vila, distrito, quase fantasma, no meio do tempo.

Alci de Jesus

domingo, 12 de junho de 2011

Mensagens subliminares ou presentes?

Dia dos Namorados: 12 de Junho de 2011

Geralmente, na semana do dia dos namorados, tem sempre alguém dizendo: “Isso é coisa do mercado, do consumismo, do capitalismo; dia dos namorados é todo dia”. E quem assim fala acredita que faz de todo dia um dia especial, mas não como o dia dos namorados tal qual é propagado hoje em dia. Quem assim diz se sente fazendo de todo dia um dia especial, porque em sua consciência pequenas ações diárias são mensagens subliminares de namoro, de amor.
Para alguns, normalmente, os que já têm algum caminho juntos, essas ações diárias envolvem acordar mais cedo e preparar o café da manhã, no dia que a secretária não vem. Deixar a parceira à vontade e sempre buscar, no final de semana, as filhas quando elas precisam, independentemente se isso vai atrapalhar o jogo ou o bate-papo com os amigos. Trazer o filme, que sabe vai deixar todo mundo contente, para a sessão de sexta-feira com pipocas. Sair para o almoço em família no domingo e perder a esperada largada da corrida de fórmula 1, quando seu piloto favorito sai na pole posicion. Fazer questão de carregar as pastas e bolsas da parceira até a porta do elevador e dar um beijinho de despedida, todo dia.  
Para outros, que ainda mantém uma relação “menos séria”, as ações se traduzem em ligar quase sempre à mesma hora, ao cair da noite. Mandar uma mensagem por e-mail ou então um torpedo. Deixar uma mensagem no mural do facebook ou na comunidade do orkut. Marcar uma programação legal para o fim de semana e cumpri-la. Confeccionar cartõezinhos de votos de amor, por qualquer motivo, utilizando qualquer meio. Abrir, sempre, a porta do carro para que a parceira entre e tome assento.  
Certamente, todas as companheiras percebem essas coisas. E sabem que esse carinho representa muito para a relação a dois, mas, mesmo sabendo dos apelos não tão puros do dia dos namorados, preferem se submeter ao costume ou à imposição da mídia ou à vala comum do “Maria vai com as outras”.
Daí não tem jeito. Tem que comprar um presente, sair para um jantar romântico ou reservar um almoço especial, num lugar especial. Tem que fazer alguma coisa diferente do que acontece todo dia. Já pensou não ter o que contar às amigas quando chegar segunda-feira ao trabalho?  
E, pior, não adianta vir com aquela frase batida e que não deixa de ser verdadeira: “milha filha, eu sou o seu presente”. Não adianta dizer que não conseguiu tempo, não tem dinheiro, não sabia o que comprar. É uma exigência cristalizada na mente das mulheres (e dos homens também, por que não?), em todas as idades, em todas as classes sociais, e que se reproduz como se fosse uma erva poderosa.
Talvez a melhor forma de encarar a situação seja saber conviver com “as pressões sociais” dessas datas e se entregar ao apelo emocional, que queiramos ou não pode ser reavivado nessas ocasiões, e nos fazer muito bem.
A mensagem subliminar pode ser mais importante do que o presente, fruto do roteiro padrão do dia dos namorados. O presente pode ser importante, mas não pode significar que àquelas ações diárias não devem continuar.
Quiçá uma mensagem pelo celular com a frase “feliz dia dos namorados, beijos” possa, no dia seguinte, re-significada, se tornar “te amo, beijos”. E o melhor, vir com um gostoso, e molhado, beijo na boca.
Que esse dia dos namorados possa transformar as mensagens subliminares em poderosas ações explícitas de amor re-significado, na forma e no tempo que cada dois souberem conquistar. Certamente, será muito mais do que presentes.
Alci de Jesus

domingo, 5 de junho de 2011

Irmandade

Crônica da Semana: 05 a 11.06.2011

As tardes de sábado são uma ótima oportunidade para atualizar-se com as novidades dos jornais na internet. Depois de chegar do encontro semanal com os amigos, relaxar um pouco no sofá da sala, brincar com a cachorra, um belo banho, daqueles em que se lava a alma.
A água, no banho, cai do chuveiro, e ao molhar a cabeça retira todos os pensamentos e parece que deixa a mente aberta para absorver novas idéias e emoções. Não é à toa que quando a gente sai de um banho, pode até dizer: “pronto, estou pronto pra outra”.
Isto pode representar um pensamento ou um sentimento bem profundo, que signifique, por exemplo, estar pronto às emoções. Isto pode ser tão real na vida de cada um que se poderia dizer filosófico.
De fato, na busca dessas emoções, a gente quer ter a capacidade de, em casa, conversar com a esposa-companheira e com os filhos, e sentir aquele gostinho do amor perpassando os corpos, e uma alegria extasiante penetrar-nos.
A gente quer conviver com os pais e irmãos e ser sábio o bastante para expandir a felicidade dos momentos alegres e, ao mesmo tempo, ter a grandeza e a bondade para não deixar de se amparar, uns aos outros, num momento de pesar.
A gente quer se sentir conhecido e reconhecido, não superficialmente, mas pelo que representa no coração dos amigos, na expectativa de ver aquela energia fluindo entre os olhos que se cumprimentam, quando se despedem depois de algum encontro semanal.
A gente quer ampliar a relação com as pessoas em geral, tanto que se permite desnudar-se um pouco nas mídias sociais, e ser provocativo da boa conversa, aguardando que se transformem em momentos de vibrações energéticas massivas face to face.
A gente quer descobrir como externar o carinho latente, o verbo afetuoso largado no inconsciente, o afago fraterno represado. 
E o mais interessante, a gente quer estar pronto a essas emoções, de uma forma natural, que não seja cunhada a fórceps pelo “cult” moderno de auto-ajuda, mas resultado de um simples resgatar daquilo que sempre deveríamos ser e, por diversos motivos, não somos, na medida em que gostaríamos.
Na verdade, a gente quer ser, na mais profunda compreensão do que é existir. E às vezes não sabemos muito bem como expressar isso ou nos sentimos um pouco como um peixe fora dágua, quando somos confrontados a falar sobre ser humano ou mesmo a exercitarmos a humanidade na prática diária, e, assim, corre-se o risco do isolamento ou do individualismo.
A questão é que a gente é ser humano; a gente é pessoa humana; em princípio, a gente é irmão de raça. Por isso, muitos não compreendem porque há exploração e submissão, ricos e pobres, luxo e miséria, consumismo e fome.
É por isso, que, às vezes, numa tarde de sábado, depois de um banho em que se lavou a alma, pode-se deixar tomar pela emoção da história dos irmãos gêmeos, de 92 anos, que morreram no mesmo dia. Irmãos que passaram a maior parte das suas existências, juntos. Cresceram juntos, estudaram juntos, viajaram juntos, se ordenaram e vivenciaram a ordem franciscana juntos, e ao fim, morreram com diferença de apenas 12 horas.
Talvez seja esse o exemplo de irmandade, não falso moralista, que se procure ao nos relacionarmos com nossos pais, irmãos, parentes, amigos, enfim, todos. Afinal de contas, vale à pena lutar para sentir-se tão bem quanto se sente ao levantar o rosto sob a água límpida que cai na face e nos lava a alma.
Alci de Jesus

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Tem gente que não gosta do centro das cidades.

Semana: 29.05 a 04.06.2011

Sem querer, de bobeira na internet, procurando por qualquer notícia, sem juízo de valor, a gente pode esbarrar, por exemplo, em questionamentos sobre o centro das cidades brasileiras e sobre os mecanismos que se tem utilizado para, muitas vezes, resgatá-lo, tanto como centro comercial quanto residencial ou quiçá histórico.

É normal que paremos pra pensar um pouco sobre o centro das nossas cidades, especialmente, se você mora em uma capital, que já é uma metrópole. Se não pensou de forma estruturada, com certeza já fez algum comentário, externou uma opinião.

Geralmente, o centro de uma cidade é onde tudo começou. Dali é que partiu a estruturação urbana, planejada ou não, da futura cidade. Normalmente, as cidades mais antigas não foram planejadas e tudo cresceu por aglomeração, em resposta às necessidades do desenvolvimento comercial e político da antiga vila, que vira cidade e capital, por exemplo. É por isso que, quase sempre, o centro da cidade é um espaço histórico.

Porém, uma capital, que já é uma metrópole, sempre tem problemas, ninguém pode negar. Mas é interessante notar as opiniões das pessoas e confrontar com a tal modernidade, que, às vezes, assombra.

Se você pergunta a uma pessoa que não gosta do centro de uma grande cidade, como Fortaleza, por exemplo, vários são os argumentos: é quente, imundo, o trânsito é caótico, tem poluição visual, entregadores de folhetos de todos os tipos, muitas pessoas circulando, gente feia e mal educada, faltam estacionamentos, os flanelinhas não são regulamentados, as calçadas estão tomadas de ambulantes, há insegurança e mendigos pedintes.

Já outras pessoas, que gostam do centro de Fortaleza e não deixam de ir pelo menos uma vez por semana, defendem o centro porque tem mais espaço para andar, você pode ir à vontade, as pessoas não ficam te observando se você não for arrumado, há uma sensação de mais liberdade, existem mais opções de lojas, é geralmente mais barato ou então os preços são mais variados, não se paga pelo luxo das lojas de um shopping ou pela segurança e câmeras de vigilância, ainda se vê os mais idosos conversando nas praças. Além de que tem os escritórios de mães e pais de santo, de dentistas populares e as ciganas, leitoras de mão. Afora que no centro se pode fazer o conserto de tudo, e comprar de tudo também.

Na realidade, no centro, geralmente, as coisas estão umas mais perto das outras, e você consegue percorrer tudo a pé. Você pode sair de uma loja de departamentos e comer um pastel com caldo de cana. Você tem acesso aos bancos, cartórios, livrarias e também pode comprar um livro antigo num sebo ou negociar na feira de troca-troca de livros. Essa diversidade parece ter uma grande atratividade, em especial, se você tem menos poder aquisitivo ou, então, quer exercitar a pechincha.

Alguém poderá dizer que, de certa forma, mantendo o princípio, um shopping é muito mais interessante e que já existem shoppings que têm as mesmas características do centro das cidades, só que sem os problemas clássicos dessas aglomerações.

Com certeza os que pensam assim querem se enganar. O centro é insubstituível. As pessoas gostam do centro, exatamente pela miscigenação de pessoas, atividades, sabores e cores, coisa que se pode tentar imitar em um shopping, mas sempre vai ser diferente da energia que se encontra no centro.

No caso de Fortaleza, onde que num shopping você vai encontrar um vendedor de quebra-queixo, com a sua caixinha e sua espátula tradicional, com o produto enrolado no papel manteiga e sob a fuligem dos carros que passam ao largo, pertinho da Igreja do Carmo? Ou então poderá comer um espetinho, ao cair da tarde, com uma cerveja gelada olhando para o Passeio Público? Ou encontrar com os amigos e saborear um frango ao passarinho à beira da Praça do Ferreira? Isso é cultura e é cultural.

É por isso que os defensores dos shoppings, nas rodas de cultura, são também aqueles que defendem a revitalização do centro. Porque ninguém agüenta viver sem a memória da origem de sua cidade. É como não ter também a memória de sua própria origem. E comprar e valorizar, em viagens culturais, a memória de outras cidades.

Viva aos pais que levam os seus filhos, mesmo que de carro, e lhes apresentam o centro da cidade, seus lugares históricos, suas praças, sua vida.
Quem dera pudéssemos ter a capacidade de num passe de mágica resolver os problemas dos centros de nossas cidades, sem que eles perdessem a sua identidade, mantendo a mesma energia que cativa tanta gente, que toda semana vai ao centro, mesmo que não vá às compras, simplesmente vá ao novíssimo Centro Cultural ou ao Teatro, centenário.

Alci de Jesus

domingo, 22 de maio de 2011

Você sabe a força que tem a música?

Semana: 22 a 28.05.2011

Qualquer um de nós já se deixou levar por uma música. Lembra? Pode ter sido lá no passado. Talvez, por conta de um amor perdido. Ou, então, pelo festejo alegre, jovial, dos amigos, virando a noite nos papelões, num dos quintais disponíveis, com a fogueira acesa e a estrelas sob o olhar.

Cada um tem o seu momento e a sua música preferida. Com certeza todos nós tivemos algum momento na vida em que refletimos sobre isso. Certa vez, em Jericoacoara, já nós anos 2.000, havia faltado luz na pousada. Na beirinha da noite, junto à mulher, irmãos, cunhada, filhas e sobrinhos, a oportunidade de conversar sobre coisas fugidias. Sobre aquela música que se alguém perguntar vem a sua cabeça de imediato.

A lembrança e o cantar “
Alguém cantando”, imitando Caetano, formavam um quadro interessante. Mas, se fosse piegas qual o problema? Por que é que a gente tem que se sentir constrangido com isso?

E o que é pior, é verdade. A maioria de nós se sente constrangido em comentar que gosta daquela música e que o seu conteúdo nos marcou ou marca muito. Se sente inibido em cantá-la, ou mesmo balbuciá-la, baixinho, perto de outras pessoas.

Porém, no carro, no banheiro, sentado esparramado na poltrona da sala, num sábado à tarde, não se contenta se o som não estiver no volume mais alto, o pensamento longe, e a voz na imensidão. Naquele momento, só se satisfaz quando a música enche o coração até derramar lágrimas, quiçá. E ali, não tem constrangimento, não tem inibição, não tem mais nada, é felicidade pura.

É por saber que isso acontece com as pessoas que não é difícil generalizar e dizer que todos nós sabemos a força que tem a música. Ela pode nos deixar alegres e tristes; transportar-nos distâncias; tornar-nos crianças, vivas e saltitantes. Trazer-nos serenidade plena.

E não precisa ser aquela música preferida, para sentirmo-nos desse jeito. Sem que a gente queira, uma música entra na nossa cabeça; e, às vezes, podemos até, inicialmente, não gostar, mas daí você ouve uma vez, duas vezes, três vezes e pronto, gostou e já faz parte do espaço reservado às emoções, no cérebro e, conseqüentemente, no coração.

Outras vezes, você ouve somente uma vez e já gostou. Pode até ser influenciado por um amigo ou uma resenha, mas, ao final, o que vale é a sua emoção, a qualidade do estado de coisas em que a música ouvida lhe deixou.

E hoje, com a internet, e as mídias sociais, tudo é muito rápido. Já pensou uma música, como a "
Oração", em uma semana ter mais de um milhão de audições? É claro, que o entorno da música também conta para o “gostar” de cada um, mas isso só aumenta a força da música, porque nos remete ao potencial coletivo que a música pode ter.

Mas a força coletiva que pode ter uma música é outra coisa, é para outra crônica. Até porque, primeiro, para se tornar coletivo é preciso envolver o individual e esse indivíduo precisa querer externar a sua emoção, quebrando alguns preconceitos.

Bom seria se a gente fosse envolvida por algum projeto em que, num passe de mágica, se pudesse ficar livre de todo o constrangimento e inibição e sem receios pudesse cantar músicas a plenos pulmões. Desafinado, com a voz gasguita, de qualquer jeito, por que não? Talvez, todo mundo, numa grande sala, com fones de ouvido, curtindo e cantando a sua música preferida. Poderia ser um começo.

Talvez, pudesse começar também, com cada um de nós enviando a uma amiga ou um amigo uma mensagem, dizendo “adorei essa música”, com o link da música no “you tube” ou a letra transcrita ou o endereço do site em que se pode baixá-la.

É sempre uma emoção receber algo assim. Uma vez, uma amiga mandou ouvir a música “
Wish you were here”, do Pink Floyd. Hoje, a música que toca à noite no subconsciente, ao dormir, é “Tears in Heaven”, de Eric Clapton.

Cada um vive a sua emoção e em um dia são muitas emoções. Ainda vem na lembrança a mensagem da filha querida, contando sobre aquela noite em Jericoacoara: “Pai, aquele momento foi muito legal!”. De certa forma, tudo na vida é música. Cada um tem que construir sua capacidade de fazer parte dessa grande composição, que a todo o momento está se (re) construindo.

Alci de Jesus

domingo, 15 de maio de 2011

O que faz a gente torcer é o mesmo que faz a gente se indignar?

Semana: 15 a 21.05.2011

Com certeza qualquer um de nós já sentiu aquela emoção que não deixa de nos envolver quando estamos torcendo. Pode ser no futebol, no vôlei, no basquete, no ping-pong, na bolinha de gude, ou mesmo em tantas situações não esportivas. Não há quem em toda a sua vida não se envolveu ou não vá se envolver num episódio de “torcer” e possa, sem perceber, até dizer um ou vários palavrões, sem querer, querendo.

A sensação é variada e depende pelo que você está torcendo ou o grau de relacionamento com o possível resultado. Às vezes, não tem nenhum relacionamento com o resultado, mas tem vínculos paralelos com alguém ou uma causa. E isto já é fator de grande mobilização e emoção.

Outras vezes, em especial, quando se trata de questões esportivas, o simples “gozar” o colega de trabalho já basta. A alegria e o despojamento são contagiantes. Até mesmo quem não é torcedor do time vencedor se sente envolvido.

E torcer não tem idade. A formação se dá desde criancinha. Em casa, no colégio, na rua, em tudo há formação para torcer. Não é incomum ver-se uma criança “carregada” com as cores do “time do coração” chorando pela perda do título; ou, então, um velhinho com mais de 80 anos, sorrindo, banguela, a conquista do campeonato.

Não é incomum ver-se, em qualquer canto do mundo, no futebol, no rúgbi, em qualquer esporte, manifestações imensas de pessoas alegres, torcedores ou apenas acompanhantes, vibrando, em festas exuberantes. Uma convergência de energias que nos parece poder mover montanhas.

Torcer parece estar ligado à emoção, e como emoção, às vezes, não se controla, porque não racional. Alguns intelectuais criticam, outros criticam quem critica; hoje, torcer, de forma geral, é “Cult”, isto é, é politicamente correto.

Não se pode deixar de dizer que, talvez, a busca dessa emoção seja da essência do ser humano, ou quiçá resquício dos processos históricos, como da política do pão e circo, da Roma antiga, onde quase todos os dias havia lutas de gladiadores nos estádios, com distribuição de alimentos.

Deve-se dizer também que, apesar de humanos, por vezes torcedores fanáticos, vivemos episódios de insurgência, históricos, de massa, em todos os cantos do planeta, em todas as épocas. No Brasil recente, nas “Diretas Já”, no “Fora Color”, reforçando o que diria Nelson Rodrigues: “A liberdade é mais importante do que o pão”.

É interessante observar como a mesma emoção que nos leva a torcer e que numa rapidez impressionante nos une e nos faz ser multidões, não é aquela emoção, que nós também temos quando nos indignamos com as injustiças e com o que achamos que não é certo na humanidade. Talvez, a tal modernidade nos leve a utilizar mais corriqueiramente, e efetivamente, as redes sociais para a auto-mobilização coletiva, como já ocorreu recentemente.

Porém, ninguém pode achar que é fácil encher um estádio com 50 mil pessoas para ouvir a música de Mikis Theodorakis: “Uma música mais forte do que os tanques de guerra”. Um Ceará e Flamengo talvez consiga com muito mais tranquilidade.

Alci de Jesus

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Somos educados? (I)

Semana: 08 a 14.05.2011

O mês passado foi dedicado à leitura. Várias datas marcaram isso. Dia 02 de abril foi o dia internacional do livro infantil. Dia 18 de abril foi o dia nacional do livro infantil. Dia 23 de abril foi o dia mundial do livro e do direito do autor, e no dia 28 de abril comemorou-se o dia da educação.

Não sei por que essas referências vieram à mente quando o ator Clint Eastwood, numa dessas propagandas que vêm antes de um filme no cinema, disse: “afinal, nunca se sabe a quem um filme pode influenciar”.

Juntando as idéias dos parágrafos anteriores, realmente, em princípio, todo mundo defende a educação como um fator que influência as nossas vidas, como uma das possibilidades de mobilidade social. Geralmente a gente relaciona educação com a leitura, especialmente, de livros. E ser educado passa para muitos a idéia de pessoas que realizam as coisas de maneira adequada.

Mas será que essa defesa da educação não é só, como se diz, para inglês ver? E outra, será que a leitura de um livro educa mais do que uma atitude dos pais ou da própria coletividade?

A ligação que está sendo feita é que educação tem relação com a leitura de livros e que ser educado é fazer as coisas corretas. Mas, infelizmente, não é isso que a gente vê no dia a dia. Não é difícil, se você ficar um pouco mais atento, perceber.

Talvez fosse o caso de instituir um Dia Nacional para Avaliarmos a Educação de cada um de nós. Mas não precisava ser um dia específico porque se fosse assim muita gente podia, talvez, querer enganar e se passar por bonzinho. Tinha que ser uma coisa de dentro, de cada um e por isso mesmo, a pessoa poderia realizar sua avaliação em qualquer dia, desde que fizesse uma avaliação séria.

O Ministério da Educação poderia até reservar algum recurso a fim de treinar cada cidadão para se auto-avaliar. O treinamento abrangeria a auto-avaliação desde o acordar até o final do dia, focando em que cada um ficasse mais atento em cada atitude, sua ou dos outros.

Seria um exercício interessante.

Será que todos dão bom dia a suas secretárias? Ficam meio emburrados quando a secretária, não por um descuido, lê o jornal antes do patrão? Aborrecem-se porque a secretária não limpou a caca da cachorra, que não fez a coisa no lugar certo?

Na padaria, no supermercado, na compra diária do pão quentinho ou das compras da semana, uma das observações seria verificar se estão tirando o carrinho vazio da boca do caixa. Parece que quem vem atrás tem a obrigação de fazê-lo ou, talvez, haja a transferência dessa tarefa para a própria empresa, só que a empresa, geralmente, não faz daí quem paga o pato? E o pior é que as pessoas não estão nem aí, parece já ser uma obrigação cristalizada: quem vem atrás na fila do supermercado tira o carrinho vazio deixado por outra pessoa na boca do caixa.

No trânsito, na hora de deixar os meninos na escola ou ir e voltar do trabalho, muitas coisas poderiam ser observadas. Tem os que avançam o sinal, os que colocam o bico do carro na mão quando vão passar uma preferencial, os que não dão sinal algum se vão dobrar, os que andam pela contramão e se sentem totalmente à vontade – quem está na mão certa que desvie seu carro, os que buzinam por qualquer coisa sem observar que o trajeto está engarrafado e ninguém vai poder passar seu carro por cima dos outros, aqueles que ficam tão irritados, às vezes sem razão, e soltam palavrões. Com esses é preciso ter muito cuidado.

E o pior de tudo é que esses adultos fazem tudo isso na frente dos seus filhos menores.

Mas ainda tem muito mais coisas a serem observadas. Tem o tratamento com os filhos e com a mulher em casa, com os pais, com os parentes, com os amigos, com os vizinhos, com os colegas de trabalho. Será que é importante observar também a participação nas reuniões de condomínio? A contribuição que se está dando a comunidade onde mora? A voz no orçamento participativo do bairro?

De fato, observar as diversas relações que se tem, como, por exemplo, com as empregadas domésticas é um grande exercício de análise se somos ou não educados. Obviamente por trás de tudo isso tem coisas bem maiores, culturais, sociais, políticas; tem a questão da cidadania.

Às vezes, a gente vê a secretária ou o próprio dono do cachorro - que levou o saquinho para isso - agachado e resgatando as fezes do animal de estimação para colocar no lixo próximo. Muitos não o fazem, por quê?

Muitos desses são os mesmos que reclamam da Prefeitura por não realizar a coleta de lixo (mas não evitam colocar o lixo fora da data indicada pela empresa coletora) ou do administrador do condomínio da limpeza medíocre que estão fazendo da sua área comum (mas colocam a guimba de cigarro na escada e as cinzas em qualquer lugar do prédio).

Por tudo relatado, as respostas às perguntas poderiam parecer fáceis, mas não são. De fato, há muita retórica em relação à educação, senão as pessoas não agiriam do jeito que agem. Por outro lado, não é incomum uma filha que lê bastante pedir ao pai: "Pai, não dirija o carro fazendo ligação ao telefone". Ou, então, criancinhas que estão no infantil replicarem: você não falou as palavrinhas mágicas! Isso indica uma luz no fim do túnel, afinal de contas nem sempre "filho de peixe, peixinho é"!

Alci de Jesus

domingo, 1 de maio de 2011

Agora, redes sociais?

Semana: 01 a 07.05.2011
Por um acaso, num desses repentes que sempre se espera seja longo, até por conta do exemplo a ser dado a uma filha querida, a gente se permite resgatar fervorosamente a leitura. Se você tem recursos para comprar pelo menos um livro por mês, legal, porque daí você lerá pelo menos 12 livros por ano, o que já é bem mais do que a média brasileira.
Mas, se dá a sorte de ter acesso a uma boa biblioteca da empresa onde trabalha, aí é uma oportunidade. Além disso, você pode também tentar a biblioteca da escola do seu filho (na do Colégio Santa Cecília tem vários livros da bibliografia do Saramago). Na realidade, toda escola tem que ter uma biblioteca, e, às vezes, é muito boa, e mesmo se não for diversa, não é possível que não tenha algum livro que agrade.  E ainda, ninguém pode alegar que não existe, todo município tem uma biblioteca, além das bibliotecas do Estado.
Passeando por uma dessas bibliotecas, um livro chamou a atenção: “Os 100 livros que mais influenciaram a humanidade”, de Martin Seymour-Smith. Na capa o chamativo subtítulo: a História do Pensamento dos Tempos Antigos à Atualidade.
Pelo sumário, vendo os livros que são retratados, já se tenta imaginar o teor das sinopses. E as sinopses, que na verdade não são sinopses, explicitam – com justificativas - a pretensa importância dada aos livros que são relatados.
Pelos primeiros livros, que seguem uma ordem cronológica, a partir de 1500 anos antes de Cristo, vê-se que é como se retratassem a origem do pensamento, da filosofia, antes mesmo da escrita.
Imaginar como por séculos, pela linguagem oral, foram reproduzidas aquelas histórias, que depois foram registradas pela escrita, é impressionante. Naquele tempo, onde as distâncias eram muito maiores do que hoje, onde as guerras pela ocupação do espaço e pela manutenção do poder era o cotidiano dos povos havia a preocupação da reprodução (ou aniquilação) das histórias das nações, inclusive como instrumento de dominação. Existiam pessoas que sobreviviam exatamente por emitir, verbalmente, a história de uma grande batalha, de uma grande vitória, de um grande sábio ou filósofo, de um ritual especial. Na verdade, naquilo que em nossa mente chamamos de passado, existia uma rede social, não exatamente como existe hoje.
É verdade, cada um de nós certamente ouviu o nosso pai, já na faixa dos cinqüenta, falar: “naquele tempo, as pessoas, na boquinha da noite, sentavam nas calçadas e contavam histórias”. Se recordarmos, na escola, as professoras contavam que os povos indígenas entoavam canções com as histórias de seus antepassados. E não raramente, se ouve falar de um acontecido, que passando de boca em boca, virou verdade verdadeira e passou a ser reproduzido e ensinado, com seus valores e atitudes virando doutrina para toda uma região.
Alguns, que se diriam saudosistas, reclamam que não há mais essa conversa, face a face; que não há mais oportunidades de contar as histórias; que os mais jovens não se interessam mais por isso.
Muitos alegam que a modernidade trouxe essa transformação. No Brasil a vida virou mais urbana, e a cultura de reproduzir oralmente histórias, que é mais rural, foi se perdendo. Alguns alegam que tem muita relação com as novas formas de comunicação.
De fato, a realidade da internet, com seu e-mail, msn, twitter, orkut e, agora, facebook é muito diferente e transformadora. As possibilidades de criação de páginas, blogs etc., assim como de se estabelecerem as conversas e relações é tão veloz, que pode ser sufocante. E não seria questionável se os educadores alegassem que, no geral, está se perdendo a profundidade.
Porém, parece que as novas mídias podem ser instrumento de resgate daquela velha rede social, dos nossos pais e avós, de nossos ancestrais, mas de outra forma. Parece ser concreta a possibilidade da construção (e resgate) de uma rede de amigos, e a partir do meio virtual se programar encontros, e vivenciar-se novos projetos presenciais.
É real, só que virtual, o “papo diário de calçada” e com um raio de ação muito maior do que somente os vizinhos de meia parede. Agora os amigos estão em todas as ruas do bairro, em todos os bairros, em toda cidade, no estado, no país e até no estrangeiro.
É fácil alguém convidar para uma audição dos velhos e bons discos de vinil na casa da Elaine, ou, então, para um jantar na casa da Bembi ou ser provocado pelo chamamento alegre da Fernanda para a saudação aos irmãos indígenas. A poesia, o romantismo desse concreto porvir depende de cada um.
Voltar ao passado, nos afastar dos nossos espigões, onde estamos engaiolados e protegidos, e de onde exalamos nossas palavras por meio das novas mídias pode ser difícil. Reconstruir essas mídias a nosso favor é uma possibilidade.
E por outro lado, mal comparando, a gente sabe que aquela cultura oral, que de certa forma está reproduzida nas redes sociais atuais, não se acabará jamais, basta ver como funciona a “rádio peão”, especialmente, nas conversas nos corredores da empresa ou no bate-papo no horário de almoço. Isso faz parte da gente, é como diz um velho amigo: “de quem vamos falar hoje?”. E depois, vem uma doce e enorme gargalhada.  
Alci de Jesus

sábado, 23 de abril de 2011

Vidas que suportam outras vidas!

Semana: 24 a 30.04.2011

Nestes dias da semana santa cristã não tem como deixar de lado alguma referência à passagem da paixão e morte de Cristo.

Alguns diriam: mas, e os que viajam? Ora, os que viajam, até pelo fato de poderem viajar num grande feriadão, estão totalmente referenciados na páscoa.

E, de fato, as pessoas viajam. Você anda pelas ruas de uma capital, e vê, objetivamente, que não há aquela circulação de carros; que nos restaurantes, na hora do almoço, não tem aquele alvoroço de gente, e nos supermercados, passado o período de compras dos retardatários, tudo é relativamente mais tranqüilo. Na padaria também é do mesmo jeito.

Por falar em padaria, comprando o tradicional pão de coco, olhando para a caixa - que estava de lado-, na quinta-feira santa, não deu para resistir à pergunta, até por uma questão de necessidade da informação: amanhã vocês fecham, não é? Meio surpreso com a resposta negativa, imediatamente injeta-se outra: mas funciona inclusive a parte de doces e salgados? Outra surpresa. E a resposta afirmativa veio com aquele olhar fulminante, cara a cara, quase querendo dizer: poxa, meu amigo, em que mundo você está?

Ora, estamos no mundo da semana santa, pois não!

Não, não é uma resposta portuguesa (ou é?), talvez a ingenuidade de imaginar que como é dado a cristãos e não cristãos o direito ao feriadão, aos pobres trabalhadores de uma padaria também seria fato essa possibilidade. Mas não é! Acreditem!

Na verdade, como já comentado, nem tudo fecha no feriadão. Apesar de terem menor freqüência, restaurantes, supermercados, padarias, postos de gasolina, e, principalmente, hotéis e pousadas - que ao contrário estão abarrotados - além de aeroportos e estações rodoviárias, funcionam.

Já pensou se aquelas pessoas que viajam para descansar, comer uma boa comida, desfrutar de uma boa piscina, realizar passeios de barcos, bugres etc. ou gozar de outros equipamentos turísticos ficassem durante o feriadão sem tais serviços? Já pensou se os que viajam não tivessem os serviços de vigilância para vigiar os seus patrimônios? Talvez fosse um caos se não funcionassem hospitais e as polícias, em geral, independentemente de onde se estivesse, viajando ou não.

A constatação é que, apesar dos feriados e por conta dos feriados, a vida continua do mesmo jeito ou de jeito diferente, mais tranqüila ou mais intensa, dependendo da cidade em que você mora, dependendo da crença que você tem.

E se espera, sempre, uma certeza: ter alguém que possa lhe prestar serviços. E quase sempre também o pensamento é de que se você pode pagar, o outro tem que lhe retornar o melhor que puder. E, por vezes, não se tem referência alguma com o período que lhe motivou poder viajar.

Talvez, absolutamente, a convicção seja de que se não fosse você aquele não teria condições de ser ele, já que não teria trabalho. Isto é, aquele, na semana santa, não ter direito ao feriadão e a vestir a sua religiosidade em plenitude é secundário, faz parte do sistema.

Cristão que é cristão ou, até mesmo, aquele de formação católica, por exemplo, não deixa de ir a uma missa na semana santa. Não cristão também não deixa de pensar sobre a páscoa, nem que seja por conta do feriadão.

Invariavelmente, nesse período, o padre vai falar da necessidade de se doar ao outro, de reforçar que o amor é o que salva as pessoas, e de que é necessário quebrar as amarras do egoísmo e da auto-suficiência, que é necessária mais humildade, e que se cada um lavasse os pés uns dos outros, as coisas seriam diferentes. Nessas horas, o cristão não deveria deixar de pensar no suporte que é dado as nossas vidas por pessoas simples, que não têm outra opção, porque não tiveram oportunidades, porque não estudaram, e, principalmente, porque segundo a Lei serão os escolhidos.

Para os não cristãos a reflexão deveria ser da mesma forma: quem dá suporte as nossas vidas? O que acontece com essas pessoas?

Lembro da menina de 12 anos, que, talvez tendo compreendido essa relação, fazia questão de dar boa noite e conversar com as secretarias reunidas no lado escuro do recuo da entrada do prédio. Afinal, uma daquelas sempre deu bastante suporte a sua vida.

Alci de Jesus

domingo, 17 de abril de 2011

Tudo ao mesmo tempo agora?

Semana: 17 a 23.04.2011

Como é que você consegue tempo para fazer tudo isso?

Essa pergunta, de alguma amiga ou mesmo de um conhecido, o qual tem alguma percepção de nossa vida, às vezes, nos assalta. E, geralmente, estão certos.


Até porque não quer dizer que é uma coisa boa. Por que seria? Será que é legal você querer ou precisar fazer tudo ao mesmo tempo, agora? O que quer dizer a palavra “agora”? Recuperar o tempo perdido?


Realizar tudo ao mesmo tempo agora parece um conceito tecnológico: tudo num mesmo espaço/tempo como um padrão comunicacional ou funcional que visa a garantir adesão, fidelidade e, principalmente, eficiência, com o objetivo de acelerar a realização de um objetivo, que envolve várias coisas.
Parece um conceito da modernidade.

Na faculdade de Direito, no final de 80, numa disputa para o Centro Acadêmico Clóvis Bevilácqua, uma das chapas chamava-se “Tudo ao mesmo tempo agora” e dava a noção de resgate de diversas ações, de várias temáticas que não vinham sendo realizadas. Em 1991, os Titãs lançavam o álbum com o mesmo nome, com mistura de ritmos, assim como Ana Maria Machado, em 2004, editava um livro sob o mesmo título, que trazia várias situações vivenciadas por um rapaz humilde.


As três situações podem ser coincidências e não ter relacionamento com o conceito futurista de aldeia global, de Macluhan, que em 1964 trouxe ao mundo a publicação “Os meios de Comunicação como Extensões do Homem”. E que segundo Coupland descreve uma revolução da televisão e das telecomunicações, estabelecendo as implicações da rede de consumidores quatro décadas antes que ela desabrochasse.


Podem ser coisas desconexas do futurismo de Macluran, mas também podem ser reproduções da vida, do mundo, da mídia, que nos assimila e nos modifica e nos leva a situações em que tudo é realizado ao mesmo tempo, em que tudo tem que ser realizado agora.


E o mais interessante é que, talvez, sem a gente perceber, de fato, tudo venha ao mesmo tempo e você vai fazendo, e apesar das coisas parecerem desconexas, elas são compreendidas como interdependentes.
É fácil perceber que isso acontece. Arranja-se um trabalho, estuda-se para arranjar outro trabalho, que lhe permite ter outros penduricalhos, e assim vai e você se vê trabalhando 12 horas por dia. É a Net funcionando. Um projeto; que começa a crescer e daí as facilidades comunicacionais, logísticas etc., os resultados pessoais, profissionais, financeiros e assim vai e você passa todo o seu tempo livre à frente de um computador. É a Net funcionando.

Pode parecer estranho essa atitude diante do mundo atual, globalizado, em que há linhas de pensamento exigindo que se desacelere (Boff) ou, então, que tenhamos mais ócio criativo (Domenico De Masi) ou que mudemos nossos hábitos, nossa vida, combatendo formas de estresse, uma das grandes doenças do século XX.


De fato, esse domínio produzido e reproduzido pela homogeneização global existe. Mas, às vezes, não é isso, as coisas são planejadas. Você tem a noção exata de que algum tempo ou algo foi perdido e que é necessário acelerar para poder transformar e mudar o rumo das coisas, para se aproximar daquilo que você entende como felicidade.


Por isso não dá para desconsiderar a atitude de um pai, que perdeu uma filha num atentado estúpido de um homem tresloucado, se o mesmo desejar mudar totalmente de vida, e buscar realizar tudo o que pode e não o fez, ainda.


Também não dá para inibir a vontade de quem, de repente, por qualquer tipo de perda ou revelação, percebe que passou boa parte da vida sem fazer as coisas que gostou de realizar, e vê ser possível, retomá-las, mesmo que os outros não entendam como arranja tempo.


Atitudes como estas não são alienadas, por vezes, é a busca do equilíbrio. Não seria insensato pensar em mudar o sistema, de forma a realizar as coisas necessárias, ao mesmo tempo, já, agora.


Então, não estranhem se a resposta àquela pergunta inicial for: “o que é que você faz de meia-noite às seis da manhã? Brincadeirinha.


Alci de Jesus