sábado, 23 de abril de 2011

Vidas que suportam outras vidas!

Semana: 24 a 30.04.2011

Nestes dias da semana santa cristã não tem como deixar de lado alguma referência à passagem da paixão e morte de Cristo.

Alguns diriam: mas, e os que viajam? Ora, os que viajam, até pelo fato de poderem viajar num grande feriadão, estão totalmente referenciados na páscoa.

E, de fato, as pessoas viajam. Você anda pelas ruas de uma capital, e vê, objetivamente, que não há aquela circulação de carros; que nos restaurantes, na hora do almoço, não tem aquele alvoroço de gente, e nos supermercados, passado o período de compras dos retardatários, tudo é relativamente mais tranqüilo. Na padaria também é do mesmo jeito.

Por falar em padaria, comprando o tradicional pão de coco, olhando para a caixa - que estava de lado-, na quinta-feira santa, não deu para resistir à pergunta, até por uma questão de necessidade da informação: amanhã vocês fecham, não é? Meio surpreso com a resposta negativa, imediatamente injeta-se outra: mas funciona inclusive a parte de doces e salgados? Outra surpresa. E a resposta afirmativa veio com aquele olhar fulminante, cara a cara, quase querendo dizer: poxa, meu amigo, em que mundo você está?

Ora, estamos no mundo da semana santa, pois não!

Não, não é uma resposta portuguesa (ou é?), talvez a ingenuidade de imaginar que como é dado a cristãos e não cristãos o direito ao feriadão, aos pobres trabalhadores de uma padaria também seria fato essa possibilidade. Mas não é! Acreditem!

Na verdade, como já comentado, nem tudo fecha no feriadão. Apesar de terem menor freqüência, restaurantes, supermercados, padarias, postos de gasolina, e, principalmente, hotéis e pousadas - que ao contrário estão abarrotados - além de aeroportos e estações rodoviárias, funcionam.

Já pensou se aquelas pessoas que viajam para descansar, comer uma boa comida, desfrutar de uma boa piscina, realizar passeios de barcos, bugres etc. ou gozar de outros equipamentos turísticos ficassem durante o feriadão sem tais serviços? Já pensou se os que viajam não tivessem os serviços de vigilância para vigiar os seus patrimônios? Talvez fosse um caos se não funcionassem hospitais e as polícias, em geral, independentemente de onde se estivesse, viajando ou não.

A constatação é que, apesar dos feriados e por conta dos feriados, a vida continua do mesmo jeito ou de jeito diferente, mais tranqüila ou mais intensa, dependendo da cidade em que você mora, dependendo da crença que você tem.

E se espera, sempre, uma certeza: ter alguém que possa lhe prestar serviços. E quase sempre também o pensamento é de que se você pode pagar, o outro tem que lhe retornar o melhor que puder. E, por vezes, não se tem referência alguma com o período que lhe motivou poder viajar.

Talvez, absolutamente, a convicção seja de que se não fosse você aquele não teria condições de ser ele, já que não teria trabalho. Isto é, aquele, na semana santa, não ter direito ao feriadão e a vestir a sua religiosidade em plenitude é secundário, faz parte do sistema.

Cristão que é cristão ou, até mesmo, aquele de formação católica, por exemplo, não deixa de ir a uma missa na semana santa. Não cristão também não deixa de pensar sobre a páscoa, nem que seja por conta do feriadão.

Invariavelmente, nesse período, o padre vai falar da necessidade de se doar ao outro, de reforçar que o amor é o que salva as pessoas, e de que é necessário quebrar as amarras do egoísmo e da auto-suficiência, que é necessária mais humildade, e que se cada um lavasse os pés uns dos outros, as coisas seriam diferentes. Nessas horas, o cristão não deveria deixar de pensar no suporte que é dado as nossas vidas por pessoas simples, que não têm outra opção, porque não tiveram oportunidades, porque não estudaram, e, principalmente, porque segundo a Lei serão os escolhidos.

Para os não cristãos a reflexão deveria ser da mesma forma: quem dá suporte as nossas vidas? O que acontece com essas pessoas?

Lembro da menina de 12 anos, que, talvez tendo compreendido essa relação, fazia questão de dar boa noite e conversar com as secretarias reunidas no lado escuro do recuo da entrada do prédio. Afinal, uma daquelas sempre deu bastante suporte a sua vida.

Alci de Jesus

domingo, 17 de abril de 2011

Tudo ao mesmo tempo agora?

Semana: 17 a 23.04.2011

Como é que você consegue tempo para fazer tudo isso?

Essa pergunta, de alguma amiga ou mesmo de um conhecido, o qual tem alguma percepção de nossa vida, às vezes, nos assalta. E, geralmente, estão certos.


Até porque não quer dizer que é uma coisa boa. Por que seria? Será que é legal você querer ou precisar fazer tudo ao mesmo tempo, agora? O que quer dizer a palavra “agora”? Recuperar o tempo perdido?


Realizar tudo ao mesmo tempo agora parece um conceito tecnológico: tudo num mesmo espaço/tempo como um padrão comunicacional ou funcional que visa a garantir adesão, fidelidade e, principalmente, eficiência, com o objetivo de acelerar a realização de um objetivo, que envolve várias coisas.
Parece um conceito da modernidade.

Na faculdade de Direito, no final de 80, numa disputa para o Centro Acadêmico Clóvis Bevilácqua, uma das chapas chamava-se “Tudo ao mesmo tempo agora” e dava a noção de resgate de diversas ações, de várias temáticas que não vinham sendo realizadas. Em 1991, os Titãs lançavam o álbum com o mesmo nome, com mistura de ritmos, assim como Ana Maria Machado, em 2004, editava um livro sob o mesmo título, que trazia várias situações vivenciadas por um rapaz humilde.


As três situações podem ser coincidências e não ter relacionamento com o conceito futurista de aldeia global, de Macluhan, que em 1964 trouxe ao mundo a publicação “Os meios de Comunicação como Extensões do Homem”. E que segundo Coupland descreve uma revolução da televisão e das telecomunicações, estabelecendo as implicações da rede de consumidores quatro décadas antes que ela desabrochasse.


Podem ser coisas desconexas do futurismo de Macluran, mas também podem ser reproduções da vida, do mundo, da mídia, que nos assimila e nos modifica e nos leva a situações em que tudo é realizado ao mesmo tempo, em que tudo tem que ser realizado agora.


E o mais interessante é que, talvez, sem a gente perceber, de fato, tudo venha ao mesmo tempo e você vai fazendo, e apesar das coisas parecerem desconexas, elas são compreendidas como interdependentes.
É fácil perceber que isso acontece. Arranja-se um trabalho, estuda-se para arranjar outro trabalho, que lhe permite ter outros penduricalhos, e assim vai e você se vê trabalhando 12 horas por dia. É a Net funcionando. Um projeto; que começa a crescer e daí as facilidades comunicacionais, logísticas etc., os resultados pessoais, profissionais, financeiros e assim vai e você passa todo o seu tempo livre à frente de um computador. É a Net funcionando.

Pode parecer estranho essa atitude diante do mundo atual, globalizado, em que há linhas de pensamento exigindo que se desacelere (Boff) ou, então, que tenhamos mais ócio criativo (Domenico De Masi) ou que mudemos nossos hábitos, nossa vida, combatendo formas de estresse, uma das grandes doenças do século XX.


De fato, esse domínio produzido e reproduzido pela homogeneização global existe. Mas, às vezes, não é isso, as coisas são planejadas. Você tem a noção exata de que algum tempo ou algo foi perdido e que é necessário acelerar para poder transformar e mudar o rumo das coisas, para se aproximar daquilo que você entende como felicidade.


Por isso não dá para desconsiderar a atitude de um pai, que perdeu uma filha num atentado estúpido de um homem tresloucado, se o mesmo desejar mudar totalmente de vida, e buscar realizar tudo o que pode e não o fez, ainda.


Também não dá para inibir a vontade de quem, de repente, por qualquer tipo de perda ou revelação, percebe que passou boa parte da vida sem fazer as coisas que gostou de realizar, e vê ser possível, retomá-las, mesmo que os outros não entendam como arranja tempo.


Atitudes como estas não são alienadas, por vezes, é a busca do equilíbrio. Não seria insensato pensar em mudar o sistema, de forma a realizar as coisas necessárias, ao mesmo tempo, já, agora.


Então, não estranhem se a resposta àquela pergunta inicial for: “o que é que você faz de meia-noite às seis da manhã? Brincadeirinha.


Alci de Jesus 

domingo, 10 de abril de 2011

O que a morte causa em cada um de nós? Sobre as mortes em Realengo, no Rio de Janeiro.

Semana: 10 a 16.04.2011


Como não falar sobre a tragédia que ocorreu no Rio de Janeiro, Brasil, nesta ultima semana?

O Assis me liga e diz que nós temos que soltar alguma notícia quanto ao que aconteceu no Rio de Janeiro! E me pergunta o que acho. Daí se desenrola em poucas frases a aprovação mútua.

No site da Associação dos Funcionários do Banco do Nordeste – AFBNB sai nota de solidariedade às famílias em luto, que perderam filhas e filhos, e também às que estão sofrendo a expectativa do restabelecimento de seus parentes queridos.

E a nota da Associação coloca três grandes questões: Que modelo de sociedade nós construímos (e estamos construindo)? Que mundo nós queremos deixar para nossos filhos e netos? E o que podemos começar a fazer, hoje, para transformar essa cruel realidade?

As notícias do Rio mostram a explosão de sentimentos das pessoas. Não somente as famílias que tiveram os filhos ou parentes envolvidos com a tragédia sofrem ou passam por algum tipo de transtorno: medo, ansiedade, desesperança, raiva.

As famílias, em todo o Brasil, talvez no mundo, estiveram e estão preocupadas em como falar sobre o fato às suas crianças. Pôxa, mas nem na escola, no segundo local de moradia dos nossos filhos, há segurança? Como uma criança ou adolescente vai se sentir ao ir ao colégio, a um shopping, enfim, a qualquer lugar?

O fato atinge a todos e a informação chegou a todos. Minhas filhas, que às vezes não sabem de alguma notícia que está ocorrendo, pelo menos não com tanta tempestividade, sabiam de tudo logo no mesmo dia; ouviram falar dos detalhes, acorreram aos sites de informações para ver como havia acontecido.

Uma delas me liga no trabalho, e diz que não tem ninguém em casa. Relata que nenhuma das irmãs chegou do colégio, e que a secretaria saiu, que fora para a missa de sétimo dia do seu avô. Um pedido de apoio, talvez pela sensação de que o mundo está descontrolado e que a qualquer momento, onde você estiver, até na sua casa, você pode correr algum perigo.

Essa é uma sensação de verdade para uma criança ou adolescente. As mortes de Realengo, no Rio de Janeiro, e as da Holanda, no shopping passam essa percepção.

A morte é uma realidade para os seres viventes. E acontece mais próximo da gente, do que a gente às vezes percebe. Se pararmos um pouco e lembrarmo-nos daquelas pessoas próximas ou próximas de nossos amigos que morreram, veremos que não é uma coisa tão distante.

No âmbito pessoal, cada um, na sua individualidade, busca o caminho para enfrentar a dor da perda e a saudade de um ente querido que faleceu. Cada um vive o seu luto, no tempo e com os mecanismos que cria para suportar a ausência e as perspectivas que não mais existem.

Às vezes, é possível construir instrumentos de apoio à realização das perspectivas projetando outras perspectivas, por meio de movimentos de todos os tipos, montagem de blogs etc. É uma busca de, a partir do individual, socializar um compromisso com uma causa e dar significado a uma perda.

Mas como diria o Assis, neste caso do Rio de Janeiro há comoção e indignação. Perder uma filha, numa morte prematura, por motivo de doença, causa muita dor e mudanças profundas no nosso modo de pensar e agir. Perder uma filha numa tamanha brutalidade como a ocorrida no Rio de Janeiro exige que avancemos na promoção de mudanças no âmbito coletivo.

Não posso deixar de pensar na filosofia ingênua explicitada por uma adolescente: um dia sem sorriso é um dia perdido. E na frase cunhada a partir dessa visão e da importância que deve ser dado à educação: um dia sem aprendizado é uma dia perdido.

Que nós possamos aprender e fazer a transformação que esse mundo merece.

domingo, 3 de abril de 2011

A minha professora chama Alice!

03 a 09.04.2011

“A professoooooora? A professoooooora? É Alice, o nome dela é Alice”.

Uma criança. Uma brincadeira. Uma sobrinha, a mais nova. Avós e tios, igual crianças, chamam-lhe a atenção, talvez, para ouvir uma resposta já esperada, mas falada por uma criança de três anos, de forma muito engraçada: o nome de sua primeira professora.

Para algumas pessoas parece ser uma coisa de menos importância a primeira professora. Lembrar a primeira professora ou lembrar a primeira escola, a primeira diretora, não têm muito significado quando já se é adulto. Será?

Na verdade, lá no fundo, todos nós sabemos que os professores deixam marcas nas nossas histórias de vida. Qualquer um, se buscar um pouco na memória, vai lembrar uma professora. Vai lembrar como ela recebeu os alunos no primeiro dia de aula; como ela tratava as diferenças entre as crianças; como em algum momento a professora foi especial.

Certamente, lembramos daquele professor de matemática que era muito exigente ou da professora de português, que insistia na correção de nossos erros e vícios de linguagem ou então da diretora compreensiva que era amada por todos.

Ninguém pode deixar de reconhecer que é ali, naquele espaço entre quatro paredes de uma escola do ensino infantil ou do ensino fundamental, o começo de uma grande relação com a leitura, com o mundo imaginário que tanto chama a atenção de nós enquanto crianças. E que ali é onde se inicia ou se consolida a nossa primeira compreensão do que gostamos, do que achamos interessante.

Por isso é tão gratificante, para nós enquanto pais ou adultos, quando vemos nossas crianças na escola, aprendendo coisas simples, mas que nos parecem “gigantes”. E, certamente, para as crianças, as quais são como esponjas, tudo é uma experiência de aprendizado.

Tudo está relacionado: uma criança de 12 anos às vezes já sabe o que quer. Talvez isso tenha relação com aquela primeira professora, que por algum motivo, por alguma atitude, por alguma brincadeira despertou aquela criança para o futuro, para o mundo.

E sabendo disso não se concebe uma criança fora da escola, principalmente, uma criança de uma família sem recursos. Talvez por isso todos concordem com Cristovam Buarque quando ele diz que “a solução é pela educação” ou, então, com alguns Conselhos Tutelares, quando ao tratar da questão do trabalho infantil pregam que “a educação é a solução, esmola não”.

Ainda bem que a realidade brasileira é de que o maior sonho dos jovens está ligado à educação. Talvez por isso, haja tanta indignação quando não se dá oportunidades aos jovens de terem um sonho ou de concretizarem um sonho, por quaisquer motivos. Talvez por isso, se acredite na frase de uma criança, quando em sua ingenuidade filosófica diz que “um dia sem sorriso é um dia perdido”.

Sem saber, os avós e tios ao provocarem a menininha de três anos para responder o nome da professora estejam cristalizando em sua mente infantil um referencial que talvez seja fundamental para sua vida. Talvez a brincadeira, uma vivência, represente simbolicamente que um dia sem educação, sem aprendizado, é um dia perdido.

Alci de Jesus