terça-feira, 16 de agosto de 2011

Relacionamentos!

Crônica da Semana: 07 a 13.08.2011

Tem umas semanas no ano em que você tem a oportunidade de recepcionar uma amiga ou um amigo em sua cidade. Mesmo que essa amiga ou esse amigo fique na casa de outra amiga, você não pode deixar escapar a oportunidade desses reencontros, de reviver os relacionamentos.
Afinal de contas, “amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito”, já dizia o poeta mineiro. A frase, na música Canção da América, com Milton Nascimento, diz várias coisas, entre elas que amigo tem algo especial porque além de ter o registro na mente, também tem gravado o sentimento no coração.
E parece mesmo, observando a realidade do que acontece no dia-a-dia e interpretando Nuvem Cigana - música que faz parte do quarentão Clube da Esquina -, que amigo vive em qualquer parte do nosso coração, ali meio latente, só esperando pra qual cigarra pôr-se a cantar. Basta você querer!
E se você quiser, mesmo que tardar, quando você tiver a oportunidade de falar com um amigo ao telefone, se corresponder por uma rede social ou reencontrar fisicamente, verá como é fácil, na maioria das vezes, perceber uma  gostosa reciprocidade.
Muitas vezes, ao reencontrar um amigo distante ou ausente, é como se o seu corpo reconhecesse um elo de sua vida, o qual liberta endorfina e serotonina e você fica mais calmo e com uma sensação de bem-estar.
E de fato, um amigo pode lhe proporcionar recuperar imagens fixas, filmes curtas e longos que lhe dão grande alegria. Mas também o reencontro pode resgatar desgraçadas tristezas e terríveis pesadelos que lhe parecem, naquele momento do reencontro, vivos novamente, lá no passado, mas querendo fundar sombras no presente e cristalizar nostalgias.
Mas nem por isso você não quer ter essa possibilidade do reencontro, às vezes aguardado com ansiedade, especialmente se é um amigo que você não se relaciona há algum tempo e que tem em seu passado alguma representatividade.
Por isso a importância de quando você quiser e se quiser, relembrar a sua vida e  escrever em algum lugar o nome dos amigos que podem ser reencontrados, que podem ser procurados, porque são elos que você deseja reestruturar.
Certamente tem os amigos da infância quando do aprendizado das primeiras letras no colégio. Também têm os amigos daquela rua que marcou a adolescência, e com os quais jogava bola ou brincava de boneca. Outros amigos dos esportes e das viagens escolares. Vários amigos da faculdade, das noites de estudo, das festas ou das lides estudantis. Têm os amigos da vida profissional e aqueles que vieram junto com todos esses e que nem por isso são menos amigos. Além dos que se forjaram por conta de relacionamentos amorosos ou nos seus entornos.
Tem os amigos pra toda hora, os amigos das lutas e vitórias, assim como das derrotas. Amigos que você vê toda semana ou diariamente. Amigos que te expõem a imagem da luta à frente, que te compartilham a busca da liberdade, da democracia e ética já, para todos igualitariamente.
Mas você pode crer, que não se está deixando de enxergar esse mundo tão violento quando se dá espaços também para com o amigo ter algum relacionamento, na sua via mais próxima e sentimental. Muito menos não se queira combater a vil e deprimente exploração, quando amigos e amigas são cativadas ao coração.
Apesar de que, como em qualquer outro relacionamento deva-se aproveitar o momento, quando se é, de fato, amigo, sempre fica um pouquinho mais, um gostinho a mais. É o sentimento tal como na expressão “hay que endurecerse, pero sin peder la ternura jamas”.
É como se as agendas com amigos fosse com uma outra emoção, talvez, quem sabe seja pra alimentar aquela semente latente, que como o poeta dizia mora lá no coração.  
Alci de Jesus

domingo, 7 de agosto de 2011

Chispazo!

Crônica da Semana: 31.07 a 06.08.2011
Ninguém se impressionaria? Ao passear pela praia, em pleno sol de nove horas, olhar e ver o homem, de um casal refestelado na areia, retirar da mochila duas taças dessas para Martini e, oferecendo uma delas à parceira, iniciar os preparativos de bebericarem.
O certo é que, aparentemente, ninguém notou ou se notou, quem sabe, quem se importa?
Para quem observou e, sendo ou não da classe média, pôde fazer-se uma pergunta: um daikiri com coca? Isto porque ao lado do casal, em primeiro plano “à mesa”, dois litros do refrigerante, idolatria mundial (não só dos americanos).
Mas daikiri é feito com rum e açúcar. E de certa forma, pela delicadeza da taça, pelo umedecer do suco de limão na borda e a necessária fixação do açúcar à mesma, não parece ser uma bebida apropriada para a areia de praia, mesmo que ideal para os amantes.
O homem, com um bigodezinho à La Clark Gable e um olhar 43, fazia movimentos suaves, como quem soubesse executar os maneirismos que a elaboração de um coquetel exige. Talvez pela afinidade com o trato das taças, pois as pegava com maestria, fosse barman.  
Parecia também que entendia de romantismo. Talvez não compreendesse o movimento artístico, que se opôs ao racionalismo; muito menos que o ser romântico fosse baseado em valores emocionais subjetivos. O certo é que como um romântico, elevava os sentimentos acima do pensamento, da razão; naquele momento era pura emoção, exalava sensibilidade.
E como, por certo, não se importaria de mandar flores à amada, por que se importaria de oferecer um brinde amoroso, em plena beira-mar, no domingo, num dos locais mais procurados pelo povão? Nada não se encaixaria ao clima proporcionado por uma bela taça, daquelas de Martini, com alguma coisa e coca-cola, saboreada ao lado da amada.
Da mesma forma que a frase “um escritor é um exímio leitor”, no ensaio de Inocêncio de Melo ao analisar o livro de Ângela Calou (Eu tenho Medo de Gorki e outros Contos), indica uma premissa fundamental ao escritor, ao romântico é exigido um exímio exercício de explorar os estados de espírito de quem lhe está mais próximo, inclusive, o seu próprio.
Pela expressão de admiração da amada na praia, parece que ela compreendeu que muitas vezes mais vale o exercício da ação e o sentimento que a mesma lhe passa do que qualquer outra coisa. Parece não lhe importar se não é um Martini, se não é um Chispazo; mesmo que seja uma simples “porradinha”, já estaria valendo à pena, pois sente que o parceiro lhe deu valor, não só por lhe oferecer o coquetel em taças requintadas.
Talvez neste aspecto, o romântico re-signifique o que é belo. Talvez o romântico saiba como explorar a beleza das pequenas coisas, que a grande maioria não dá o seu devido valor. Talvez o romântico seja capaz de construir o clima da pura emoção, que às vezes é tão necessário e nos está tão à mão, e para o qual não é preciso muito para se conseguir obtê-lo.
Um belo coquetel em taças de Martini, com cachaça e coca-cola, na beira-mar da Iracema dos olhos de mel, por que não?
Poético? Romântico? Pois não! Emoção se faz com emoção!
Alci de Jesus

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Oh, pedaço de mim!

Crônica da Semana: 24 a 30.07.2011

A música “Pedaço de mim”, de Chico Buarque, tocada ao final de uma reunião dos aniversariantes do mês de maio, de uma cooperativa de médicos, “bateu” profundamente por uma de suas frases – “... a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu...” – e também pela temática da saudade daquele pedaço da gente que foi afastado, exilado, amputado ou arrancado “de mim”.
Mas o que é saudade? Nos dicionários, saudade é recordação suave e melancólica de pessoa ausente, de local ou coisa distante, que se deseja voltar a ver ou possuir. Melancolia é tristeza vaga, indefinida, com inibição das funções motoras e psicomotoras. Isto é, a gente se sente meio parado. E tristeza? Tristeza é a falta de alegria ou contentamento. Ora, então, assim, quem está com saudade não está alegre.
Essa compreensão do sentimento de saudade é costumeiramente exaltada pelos poetas com uma carga talvez freudiana de irreparabilidade, especialmente, quando se trata de uma perda de alguém querido, pior ainda quando se trata de uma filha: “ferida narcísica irreparável”.
Mas se é assim o que dizer de algumas expressões que invocam ser a saudade a água que mata a sede? Ou o que dizer do ditado “recordar é viver”?
Se nos remetemos à gênese do termo saudade, reconhecendo sua origem portuguesa, o mesmo demonstra a fidalguia de compreender a ida dos nobres filhos portugueses a se enveredar por aventuras nos mares e daí se o descreva como “um sofrer contente, feliz por saber que a dor da ausência existe, pois se ama e se é amado”.
Mas, em geral, a saudade é uma mistura de sentimentos, os quais envolvem a perda, a impossibilidade do reencontro imediato e um amor ou carinho profundos, que se traduzem em uma dor ou sensações, que em regra estão fora do que se poderia considerar normal, por isso relaciona-se saudade com tristeza.
De fato, a memória, aquela que nos dá a capacidade de realizar e de relacionar as coisas entre si, construindo associações, e que faz a nossa sobrevivência possível, é um mundo de fantasias que não se estanca. Porém, sem querer relacionar saudade com solidão e modificando a palavra de Rubem Alves, é possível dizer que a tristeza não vem da saudade, mas sim das fantasias que surgem com a saudade.
Conforme Aristóteles “o ato de conhecer começa pelos sentidos” e para ele “quem encontra prazer na solidão, ou é fera selvagem ou é Deus”. Por analogia quem sente saudade exercita o conhecimento de si e não tem solidão, porque mesmo com alguma tristeza, dor e talvez lamentação, pode encontrar prazer no sentimento porque, enfim, é uma maneira de estar próximo de um amor incondicional, permanentemente revivido pela memória.  
Reforça esse pensamento a visão do sentimento de Freud pela perda de sua filha Sophie, pois para ele a dor segue o seu curso natural, o rumo que deveria ser. Mas a saudade, interpretando o mestre, é “a única maneira que temos de perpetuar um amor que não queremos abandonar”.
Na verdade, parece ser razoável e lógico assimilar, que mesmo que queiramos desconstruir o olhar, os sinais, o vulto, o que há do “pedaço de mim” em nós, porque a saudade “dói latejada”, ele sempre estará conosco e o melhor é ter a coragem de vivenciá-lo, re-significando o que dele lhe faz mal, mesmo que seja ao arrumar o quarto da filha que já morreu.

Alci de Jesus